Ansiedade no final de ano
novembro 18, 2015Insônia
dezembro 3, 2015- Como o multitasking pode afetar o cérebro?
R. O sistema multitasking (ou multitarefa) é acionado sempre que tentamos fazer mais de uma atividade mental consciente ao mesmo tempo. Isso ocorre basicamente em duas situações: atividades externas concomitantes (como dirigir e falar ao celular); ou quando fazemos uma coisa pensando em outra (como quando trabalhamos pensando em problemas familiares). Na vontade de otimizar o tempo, partilhamos a atenção e o rendimento cognitivo, baixando a qualidade da expressão mental e levando à fadiga psíquica com maior percepção de estresse. - E o impacto disso na vida cotidiana e a saúde em geral? Como o hábito de fazer várias coisas ao mesmo tempo, ao longo dos anos, pode prejudicar a pessoa?
R. O sistema multitarefa consome muita energia física e mental. A atenção alternada tem um rendimento inferior à atenção concentrada, sustentada em uma tarefa apenas. O ganho quantitativo é complicado pela perda qualitativa, gerando uma matemática de resultado que pode ser muito desfavorável a depender da atividade em jogo. Claro que existem pessoas com um talento para o multitasking maior que outras. Também tudo depende de qual é a atividade em questão, pois algo já muito automatizado e com baixa variação pode até ser relativamente mantido em segundo plano sem grande esforço. Agora, de modo geral, a imersão cotidiana no sistema multitasking leva à muito cansaço, liberação de mais cortisol e adrenalina (substâncias relacionadas ao estresse), com elevação do risco de ansiedade, depressão, dores musculares, tonturas, alterações intestinais, problemas de pele, e até descompensação de doenças clínicas como: hipertensão arterial, diabetes, obesidade, colesterol alto, entre outras. Outro problema é o desbalanço do ciclo sono-vigília, pessoas com sobrecarga de trabalho e funções apresentam mais dificuldades de início e manutenção do sono (despertando mais cansadas, complicando ainda mais o rendimento cognitivo). O aspecto psicológico do multitasking pode ser avassalador e levar à temida síndrome de burnout (ou síndrome do esgotamento), relativamente comum em pessoas ditas workaholics (com dedicação excessiva e excesso de obrigações e cobranças). - Como nos proteger do multitasking e resguardar nossa saúde mental num mundo tão corrido como o de hoje? Especialmente a mulher moderna que se desdobra em mil funções?
R. A primeira e mais óbvia recomendação é: faça uma coisa de cada vez. Encarar cada um dos problemas do dia-a-dia de forma individualizada, com todo seu arsenal cognitivo seria a forma mais adequada de resolver as coisas de uma vez só e com a menor taxa de erros possível. O problema agora seria o tempo, e aqui o buraco é bem mais embaixo. Você só consegue ter mais tempo otimizando sua rotina, articulando compromissos com lógica e inteligência, aprendendo a dura arte de priorizar, delegar e recusar tarefas. Tempo não brota do nada, é uma variável finita e democrática, todo mundo tem as mesmas míseras 24 horas. Toda dificuldade da vida é saber aonde investir seu tempo. Fazer várias coisas ao mesmo tempo nos dá uma falsa percepção de otimização, mas com o custo alto, devido aos erros, cansaço, necessidade de refazer coisas, etc. Toda organização de tempo passa pela arte de dizer não e de não se comprometer com coisas que não dará conta ou que compensarão naquele momento. Infelizmente temos a mania de tentar absorver tudo que aparecer e sempre achamos que podemos fazer um pouquinho mais. Passamos a vida resolvendo problemas ditos urgentes (mesmo que pouco importantes) e deixamos um monte de coisas importantes (mas não necessariamente urgentes) de lado, numa interminável fila de espera. Fazer coisas urgentes a todo momento é entrar sempre no modo multitarefa. - Há relação entre o aumento no uso de smartphones e a epidemia de estresse atual? Se sim, qual o papel dessa tecnologia como estressor no cotidiano e como usá-los de forma não nociva à saúde?
R. A tecnologia sempre traça uma relação complexa com o estresse. No caso dos smartphones não seria diferente. Por um lado, o ganho da facilidade de acesso à informação e toda a praticidade na resolução de problemas que poderiam exigir muito mais empenho engajamento, por outro, o peso da disponibilidade contínua, a ansiedade das redes de integração social e a quase obrigação de estar sempre consumindo conteúdo. Com os celulares modernos ficamos amarrados em uma teia digital que escraviza parte de nossa atenção o tempo todo, na expectativa que uma notícia, um recado, um e-mail chegue e mude nossa existência. Nossa relação com o tempo, o espaço e o outro ficou modificada. Tudo navega com velocidade, com importância e com urgência. Basta um apito e lá se foi nosso foco. Cai a internet e ficamos mais inseguros, ficamos sem bateria e perdemos o rumo das coisas. A mesma tecnologia que amplifica nossa performance, compete com o cotidiano e reduz nossa performance. Quem tem um celular ligado no bolso já está na beira da multitarefa. O celular é hoje o grande competidor das atividades cotidianas, o grande rival das experiências de mundo real e tempo real, uma arma preciosa (sem dúvida) mas perigosa, que pode gerar ansiedade, acidentes, frustrações, distanciamento interpessoal sobrecarga, dependência, limitando nossa performance cognitiva e emocional.
O cérebro humano possui um engenhoso processo de filtro e engajamento em uma atividade. Quando estamos concentrados e alguma coisa, estamos desconcentrados para o resto. Usamos um tipo peculiar de abordagem para um determinado processo mental, chamado memória de trabalho. Sempre que estamos envolvidos com determinado processo, temos a disposição da resolução nossas memórias, nossa criatividade, nosso raciocínio lógico, nosso bom senso, nossa capacidade de reajustes constante diante de dificuldades não previstas, etc. Chamamos isso de função executiva, capacidade de levar a cabo determinada missão. No modo multitasking o cérebro precisa automatizar um dos processos e se dedicar ao outro, logo depois automatizar o outro para se dedicar ao primeiro, numa constante alternância contextual que leva à estafa, à relevado risco de falhas, queda de performance global (baixo rendimento), levando à frustação. Como podemos ver, este é um processo de alternância de atenção, que pode ser rápida o suficiente para acreditarmos que realmente estamos resolvendo dois problemas ao mesmo tempo. O processo que fica em segundo plano é tocado no piloto automático, sem grandes ajustes, de modo mais desleixado e com menos brilhantismo, esperando sua vez de receber o interesse de primeiro plano. Para mantê-lo, no entanto, o cérebro precisa de esforço contínuo maior (do que se estivesse fazendo apenas uma coisa de cada vez). Uma analogia interessante é com aqueles malabaristas de antigamente, que giravam pratos em cima de um bastão apoiado no chão, quanto maior o número de pratos girando, maior era o desgaste e o risco de um prato cair. Obviamente o prato que ele estava cuidando no momento era o mais protegido, raramente caia, agora, aquele deixado para trás, em segundo plano, podia bambear e quebrar no chão.
O modo multitarefa deve ser experimentado de forma eventual, não como uma rotina de vida. Em muitas situações (ditas urgentes), somos obrigados a dar conta de problemas concomitantes e devemos acionar o sistema, cientes que a taxa de erro poderá ser maior, assim como o desgaste cognitivo e emocional. O problema é que cada vez mais estamos em um estado multitasking contínuo, quase sem interrupções, acumulamos funções cognitivas e somos cobrados (por nós mesmos e por outros) por cada uma de nossas incumbências mentais, devendo apresentar sempre uma boa performance, com motivação, envolvimento e resultados convincentes e sem erros. O peso disso é uma sequência de comprometimentos que levam a uma série de problemas como a frustração, a ansiedade, a estafa física e mental, os distúrbios de sono, etc.
A sociedade atual é muito propicia à sobrecarga e ao estresse. Somos cobrados para sermos bons em tudo, somos forçados a nos desdobrar para dar conta do recado sem reclamar, com um sorriso escancarado no rosto. Verdadeiramente, precisamos priorizar nossa saúde mental. Não seremos realmente bons em nada se não formos bons para nós mesmos. Quer mais tempo? Torne as coisas mais simples, diretas, não acumule obrigações, problemas, resolva (mesmo que não seja a solução perfeita). Aliás, aceitar a imperfeição é muito melhor que a busca suicida pela perfeição. Terceirize tudo que não precisa passar por você, se cerque de pessoas competentes (na vida profissional e pessoal), corte atividades recorrentes, sem sentido e que não agregam mais nada na sua vida. Nunca (ou quase nunca) deixe de dormir, de comer, de se exercitar e de fazer coisas que você realmente gosta. Tudo isso será uma troca de quantidade por qualidade. Não significa fazer menos, trabalhar menos, estudar menos, mas sim fazer, trabalhar e estudar melhor! Tudo é questão de rendimento.
A recomendação aqui é delimitar com clareza o espaço dessa tecnologia em nossa vida. Saber a hora de conectar e desconectar, quando silenciar, entender quais e quando os apitos deverão te interromper, quais as suas verdadeiras prioridades em cada momento. Exercitar o desapego de forma intensa e clara, demonstrando para seu cérebro qual a atividade preponderante e que é ele que comanda o celular e não o contrário. Como em quase tudo na vida, a dose faz o veneno. Valorize suas experiências sensoriais complexas do mundo real, pense na internet como uma ferramenta complementar, acessória e, por muitas vezes, dispensável.