Síndrome Pós-Férias
fevereiro 1, 2016AVC
fevereiro 12, 2016Muitas pessoas costumam associar a perda de memória ao Alzheimer. Tem até quem atribua os esquecimentos ao “alemão”. Até que ponto os esquecimentos podem ser considerados normais? Quando que eles necessitam uma avaliação médica?
R. A doença de Alzheimer está entre as principais causas de perda progressiva e intensa da memória, principalmente após os 60 anos de idade (apesar de existir casos raríssimos em pessoas até mais jovens). Agora, existem sim outras situações que podem gerar quadro de esquecimentos, tais como: problemas de tireóide, dificuldades de sono, estresse excessivo, quadros de depressão, ansiedade, abuso de álcool e drogas, múltiplos acidentes vasculares cerebrais (AVC´s), traumas repetidos na região da cabeça, déficit de atenção, etc. A memória é uma das funções mais complexas cerebrais, sendo também uma das mais sensíveis, problemas diversos podem levar a oscilação da performance e elevar a frequência de brancos e lapso.
Considero sinais de alarme (situações em que a pessoa precisa buscar ajuda médica), os seguintes (que podem estar isolados ou associados):
- Esquecimentos em frequência e intensidade que atrapalham a rotina de vida ou o grau de segurança ou independência de alguém.
- Esquecimentos para eventos importantes como: deixar o gás ligado, a porta destrancada, não passar recados importantes, esquecer de pagar contas e honrar compromissos.
- Esquecimento associado a qualquer outra dificuldade neurológica: como se localizar em locais conhecidos, dificuldade de realizar afazeres cotidianos, dificuldade em cálculo, dificuldade em reconhecimento de rostos conhecidos, problemas de marcha e coordenação motora, alteração do humor, personalidade ou comportamento.
- Esquecimentos com piora progressiva ao longo do tempo.
- Esquecimento iniciado em pessoas acima dos 60 anos com ou sem histórico familiar.
A positividade de qualquer um dos sinais de alarme acima, exige uma investigação pormenorizada, preferencialmente com um especialista (neurologista).
Quais fatores podem estar relacionados aos esquecimentos? Ao preparar a entrevista, observei que em alguns casos a perda de memória pode estar associada algumas doenças. Em uma investigação clínica quais devem ser avaliadas?
R. Como abordado anteriormente, diversas doenças e situações podem levar ao esquecimento. A desatenção, sobrecarga (estresse), problemas hormonais e os transtornos de humor são causas comuns em jovens (abaixo de 60 anos). Acima dessa idade são frequentes doença como a doença de Alzheimer, demência por múltiplos AVCs, outras doenças degenerativas e quadros depressivos na terceira idade (pseudodemência). Seja como for o especialista precisará de uma boa avaliação clínicas, compreensão de contexto e de testes e exames eventuais para elucidar o quadro de esquecimento. Em alguns casos são necessários exames de imagem e de sangue para compreender a anatomia cerebral e os fatores metabólicos associados. Para todos é feito perguntas sobre quadros de humor e alterações evidentes no ritmo de vida que possam geram tal queixa no paciente.
Existe um diagnóstico diferencial para distinguir o Alzheimer das demais enfermidades?
R. Sim, o jeito de instalação, a evolução e o contexto clínico do paciente são variáveis importantes na diferenciação de Alzheimer com outras patologias que apresentam sintomas parecidos. O neurologista também lançará mão de testes intelectuais e eventualmente de exames subsidiários (acessórios), para buscar outros problemas, tais como: carência de vitamina B1, hipotireoidismo, infecção por HIV, sífilis, quadros cerebrais como traumas e AVC´s, entre outros. O médico irá abrir o leque diagnóstico inicialmente, sendo o diagnóstico de Alzheimer feito por exclusão aliado a um quadro clínico típico e evolução compatível.
Quais os principais mitos relacionados ao Alzheimer?
- Alzheimer não acontece em pessoas mais com menos de 60 anos.
MITO. Existem casos (cerca de 5% a 10%), que ocorrem em pessoas abaixo dessa idade, sendo que nesses casos a investigação deve ser ainda ais abrangentes (pela atipia da idade de início) e sendo o componente genético geralmente mais forte que em casos na idade típica. - Quem não tem familiares acometidos não precisa se preocupar
MITO. Existem muitos casos esporádicos, sem história familiar. Além disso, nem sempre os familiares com risco semelhante atingiram a idade necessária para manifestar o problema. A genética é apenas mais um fator de risco, aliado à longevidade, história de vida, controle de doenças clínicas, obesidade, escolaridade, etc. - Se alguém descobrir bem no começo pode evitar a doença.
MITO. Ainda não existe medicamento neuroprotetor capaz de barrar completamente a doença e o risco de evolução. Por isso frequentemente não são testadas pessoas assintomáticas (uma vez que o risco de progressão não leva a uma conduta evitativa). O tratamento atual é apenas sintomático, não contém completamente a evolução inexorável dos sintomas. - A doença incapacita a pessoa rapidamente, em meses.
MITO. Existe muita variação na velocidade de progressão a depender do caso. Na maioria dos casos, o paciente evolui de forma lenta e insidiosa, com cerca de 8 a 10 anos de evolução. Existem casos mais rápidos, com formas rapidamente progressivas (meses), mas são infrequentes. É relativamente comum o paciente de mais idade, falecer de outras causas antes da fase final da doença, por outros problemas de saúde. - Não existe tratamento para a doença de Alzheimer.
MITO. Não existe cura para o Alzheimer e nem prevenção medicamentosa 100% eficaz. No entanto, existem tratamentos aprovados no Brasil baseado em medicamentos sintomáticos capazes de melhorar um pouco a memória (a saber: Donepezila, Rivastigmina, Galantamina e memantina). Existem outros medicamentos úteis para lidar com outros sintomas por vezes associados, tais como: alterações comportamentais, transtornos do humor, alteração de sono, etc. - Hábitos saudáveis não reduzem o risco.
MITO. A despeito de algumas variáveis de risco não modificáveis (tal como genética e idade / envelhecimento), existem sim alguns fatores de risco que podemos reduzir durante a vida, como buscar alta escolaridade, alimentação balanceada, controle de peso, evitar agravos neurológicos como AVCs, traumas, fazer consultas e check up regulares, etc. Nunca conseguiremos reduzir o risco, mas é possível minimizá-lo, atrasando sua manifestação ou eventualmente atenuando seu impacto.
É possível melhorar a memória de curto prazo?
R. É possível sim melhorar. A capacidade de fixar novas memórias é fruto de hábitos saudáveis e interações adequadas como o ambiente que nos cerca. Um cérebro saudável é aquele descansado, que dorme bem, que pratica atividades físicas, tem boa alimentação, não faz várias coisas ao mesmo tempo, não está imerso em distúrbios hormonais, que não está em contexto de drogas (lícitas ou não) que alteram a memória), etc. Um ambiente adequado é tranquilo, com pouca competição de estímulos, controle adequado de estresse e aonde as vivências são realizadas com tempo suficiente e destaque suficiente para uma boa memorização. Além disso é fundamental treinamento, evitar acomodação mental (com rotinas tediosas) e um bom envolvimento psíquico com as realizações. Se tudo estiver Ok e sua memória continua ruim, o ideal é buscar um especialista para um diagnóstico individualizado e eventualmente um tratamento medicamentoso aliado a mudanças personalizadas de estilo de vida.
Situações pontuais como acidentes acompanhados de traumas, desidratação em idosos, estresse intenso podem causar a perda? Como ela se caracteriza? É transitória ou pode ser permanente?
R. Idosos são mais sensíveis para quadros confusionais agudos e piora transitória da memória. Com isso, desbalanço clínicos podem gerar confusão mental intensa, sonolência alternada com agitação, distúrbios de sono e vigília e perda transitória da lucidez. Isso pode se agravar com internação pela perda de parâmetros do dia-a-dia. São mais sensíveis aqueles mais idosos e com alguma alteração incipiente da memória. Chamamos esse quadro agudo de delirium, e pode ser desencadeado por desidratação, infecções (inclusiva urinária), medicamentos, etc.
Qual a relação das vitaminas com a memória?
R. A carência grave de algumas vitaminas podem levar a um quadro de esquecimentos, as principais são as vitaminas do complexo B, principalmente B1 (tiamina), B3 (niacina) e B12 (cianocobalamina). Outra vitamina que pode associar-se a doenças neurodegenerativas é a vitamina E. recomendamos sempre uma dieta balanceada, com pouca gordura trans e saturada, ricas em bons colesteróis, tais como ômega-3 / 6 / 9 e gorduras mono e polinssaturadas (origem mais vegetal), ricas em nutrientes, vitaminas e carboidratos de fontes preferencialmente integrais. Um exemplo de dieta assim, associada ainda a polifenóis e antioxidantes é a famosa dieta do mediterrâneo, rica em peixes, frutas, vinhos tinto, oleaginosas e pobre em carne vermelha e alimentos industrializados.
Como preservar a memória? Comparar o cérebro com um músculo está correto? Se parar de usar, ele atrofia?
R. Apesar de um certo exagero na frase, ela é verdadeira. O cérebro se molda com a demanda e as dificuldades. É fundamental mantê-lo afiado com problemas e tirando-o de sua zona de conforto. Buscas coisas novas, cursos, elevada escolaridade, trabalhos que envolvam criatividade e empenho mental. No dia-a-dia recomendo sempre alternar caminhos, inverter os talheres, brincar com jogos mentais, fazer coisas cotidianas de formas diferentes e desafiadoras, colocando o cérebro sempre ativo e fora do tédio e da previsibilidade da rotina. Sem muito estímulo o cérebro tende sim a ficar mais preguiçoso e menos habilidoso. Pense em uma pessoa que fica anos e anos sem praticar uma língua, com o tempo ele perda parte de sua fluência, ou um músico que para de tocar e retoma uma década depois, sua habilidade se encolhe, isso também vale para tomada de decisões, concentração, criatividade e memória. Um cérebro parado é um alvo mais fácil para doenças de humor e neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer.
Independente da causa, há tratamento para todas as possibilidades de perda de memória?
R. Sim. Mesmo que a causa em questão não seja a doença de Alzheimer, o médico pode indicar tratamentos movidos para a causa específica ou para o sintoma em questão (no caso, esquecimento). A resposta dependerá da intensidade dos sintomas, do contexto clínico do paciente e do diagnóstico. Por exemplo, em caso de hipotireoidismo, o médico irá dar hormônio de reposição, em caso de depressão, usará antidepressivos, em casos de distúrbios de sono, orientará ajustes ou medicamentos, enfim, tratará as causas e eventualmente utilizará medicamentos que reforçam a capacidade de fixação de informação, sendo a efetividade muito variável a depender de cada caso especificamente.
Para todos os casos são importantes mudanças ambientais, com atividades físicas e mentais, compatíveis com o nível de cada um.
Entre os quadros qual (is) tem/têm predisposição genética?
R. No caso da doença de Alzheimer esporádica, aquela que surge de forma insidiosa acima dos 60 anos e idade, o componente genético existe, mas não é um fator único determinante. O que ocorre é que os familiares tem uma elevação na predisposição que dependerá de outros fatores, como longevidade, ritmo de vida e outras eventuais exposições ainda não completamente elucidadas. Por isso que muitos filhos de quem tem Alzheimer não apresentam a doença e que filhos de quem não tem Alzheimer apresentam.
Agora, em casos (raros) de manifestação pré-senil (abaixo dos 60 anos), o risco genético pode ser eventualmente maior, pois existem casos Alzheimer com franco e irremediável fator genético (cerca de 5 %), nesses caso o risco de um descendente apresentar a mutação é consideravelmente maior que o descrito na situação anterior (Alzheimer senil clássico).